quarta-feira, novembro 01, 2006
"Acabe com o casamento antes que ele acabe com você." (F. Nietzsche)
O aclamado Festival Sundance desponta como uma ótima alternativa para quem já desconfia da procedência dos filmes roliudianos que enfeitam os Multiplex e o Oscar todo ano. Não é o meu caso, creio que o Oscar AINDA é uma referência de qualidade na sétima arte. Sundance basicamente é um festival de cinema tipicamente alternativo, em que produções tidas como “baratas” (por exemplo, A Lula e a Baleia custou míseros U$1,5 milhões), podem concorrer em pé de igualdade com produções mais caras e com propostas mais comerciais. Pois foi depois de sua apresentação neste festival e dos prêmios de Melhor Diretor - Drama e Melhor Roteiro conquistados (sem contar a indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original em 2005, Globo de Ouro e Independent Spirit Awards) que a crítica elevou ao Olimpo cinematográfico a modesta produção com predicados ora exagerados, ora merecidos. “Fantástico”, “Inigualável”, “Dolorosamente divertido” (esse último eu inventei!), entre outros tantos. Vamos ao que interessa!
“A Lula e a Baleia mostra as conseqüências do divórcio de Bernard e Joan Berkman em suas próprias vidas e, principalmente, na de seus filhos, Walt e Frank, nos anos 80.”. Mais uma vez devemos agradecer a algum santo na internet que nos permite copiar esse resumo da história já que odeio ter que escrever o óbvio. E óbvio é tudo o que o roteiro não é, pelo simples fato do filme ser uma espécie autobiográfica da infância do diretor Noah Baumbach em pleno anos 80, por sinal muito bem ambientado em tal época. E quando a arte imita a vida (sim, nessa seqüência) dificilmente se tem algo sem profundidade ou provida de niilismo barato, tudo passa a ter mais (perdão) vida, torna maior a aproximação do expectador à obra, facilitando a exposição de uma identidade universal que a trama pode vir a ter. Tendo isso em vista, Baumbach ousou desnudar sua infância problemática neste filme e, por isso, é digno de palmas.
Sem concessões puritanas, Baumbach foi acima de tudo corajoso. Seu “eu” no filme é Frank Berkman (Owen Kline, filho de Kevin Kline e Phoebe Cates), o que aparenta ser o mais prejudicado com a separação dos pais (Jeff Daniels como o patriarca Bernard Berkman e uma das minhas musas Laura Linney interpretando Joan Berkman), tem comportamentos extremos e impactantes para nós expectadores. Para se ter idéia das conseqüências do fim do casamento do casal, Frank (na faixa de seus 12 anos) espalha seu esperma pelos livros da biblioteca da escola e bebe latas de cerveja escondido. Isso sim é coragem: abrir as cortinas de parte de sua história para o mundo assistir. E cá entre nós, a parte mais podre dela. Por outro lado (e não menos problemático) está seu irmão mais velho Walt (Jesse Eisenberg), dotado de uma forma um pouco mais sutil de rebeldia diante da separação, porém não menos perigosa (do ponto de vista autoral), apropria-se da letra de “Hey You” do Pink Floyd para um festival de música na escola, mas a farsa não dura muito. Apóia-se na figura do pai para aparentar intelectualidade diante de suas tentativas amorosas na escola. Interessante a cena em que, sem tem o que falar sobre a obra A Metamorfose, já que não leu a mesma, dispara um “é bem kafkaniana” para sua futura namorada.
Difícil de acreditar que o Débi (de Débi e Lóide) seja o mesmo que dá vida ao papai Bernard. Sim, Jeff Daniels (com uma barba estilo George Clonney em Syriana) arrasa no papel do patriarca intelectual pedante. Não menos por baixo está a belíssima Laura Linney (42 anos de puro talento e beleza) que cria uma mãe insensível que em uma cena particularmente esclarecedora, ela tenta conversar com Walt sobre os traumas do divórcio usando, como exemplo, um caso que teve com um professor na época da faculdade, sem perceber o quanto a história é dolorosa para o filho. Ou seja, é uma tonta sem sensibilidade. Um dos pontos altos do filme é não ser maniqueísta a ponto de polarizar uma guerra dos sexos entre marido e mulher, traduzindo na figura materna uma entidade compreensiva, tolerante e bondosa e na paterna um desajustado que “dividi” a namoradinha com o filho mais velho. Ambos “escondem esqueletos no armário” (adoro essa expressão).
Interessante o que li na internet: “Muitos dos cacoetes da sofisticada intelectualidade nova-iorquina estão na tela: o frenesi pelo filme-cult; as acaloradas discussões teóricas e um extremo rigor na educação dos filhos. Quase todos os cacoetes, exceto um: a paixão pela psicanálise, marca registrada de um Woody Allen, por exemplo. Toda a família retratada por Noah no filme - pai (Jeff Daniels), mãe (Laura Linney), Walt, o filho de 16 anos e Frank , de 11 - passou longe de uma terapia. Talvez por terem lido muitos livros, papai e mamãe são de uma arrogância destruidora, sem espaço para psicanalistas ou qualquer instante de auto-análise. Eles (principalmente o pai), acham que sabem tudo - e seus filhos pensam que isto é verdade.” Já olharam o cartaz aí em cima? Percebam que a casa é "desenhada". É um belo exercício estético do quem vem a ser aquele velho adágio popular: "As aparências enganam". O casamento deste casal destroçou as relações familiares, destruindo também o que chamam de "lar". Tudo é falso, notem o que há real no cartaz é o que os personagens tocam, típica atitude de intelectuais pedantes que só acreditam no vêem.
“A Lula e a Baleia” é isto: fidelidade biográfica a sentimentos pertencentes a uma esfera tão íntima que nos choca. Belas atuações (aaahhh, Linney, oh, God), uma fotografia e movimentos da câmera quase documental (notem a palidez das cores e a “inquietação” da câmera). Competente, audacioso, hype, porém sem revoluções. Recomendadíssimo.
Atenção especial na conversar entre Walt e o psicólogo da escola. O papo versa sobre o motivo do nome do filme, além de ser um ótimo exercício de diálogo breve e inteligente. Ah, claro! O gato pode ser interpretado como uma metáfora para aquilo que nunca acaba após uma separação matrimonial: os filhos. O gato é como se fosse um dos filhos, passa uma semana na casa do pai, uma na da mãe. Tadinho do bichano.